Nosso colunista de Gestão, Christiano Nascif, do Projeto Educampo/Sebrae-MG, tenta definir a faixa na qual se encaixam esses produtores que tiram volume médio de leite por dia e ressalta que nem sempre quantidade significa lucro de fato
O objetivo do artigo deste mês é falar sobre a “classe média do leite”. Somos sempre interrogados por produtores e técnicos, nas andanças pela pecuária leiteira, quanto ao volume mínimo de produção em uma propriedade para torná-la viável economicamente. A pergunta parece ser uma dúvida básica, pois todo produtor e técnico minimamente preocupado com o seu negócio precisa saber prontamente a resposta. Não é, entretanto, tão simples. Dizer que é o volume com o qual a atividade leiteira obtém lucro, de forma sustentável, não responde, pois a dúvida ainda persistirá: então, qual é o volume?
Depende. Vários fatores interferem, tais como a região onde está localizada a propriedade; a mão de obra predominante (se contratada ou familiar); o preço médio do leite; o custo dos insumos para a produção de leite; a qualidade e o valor da terra; as opções de emprego para mão de obra; se o produtor reside na propriedade; o clima, dentre outros. Só pela diversidade de fatores dá para perceber o quão complexa é a resposta a tal pergunta.
Algum leitor mais afoito já deve ter achado a resposta: “É só produzir com eficiência”. Porém não é tão simples assim: cada propriedade tem um volume de produção equivalente ao ponto ótimo econômico, que equilibra com a produção de leite tecnicamente viável – este é o ponto da máxima eficiência técnica e econômica. O leitor que nos acompanha há mais tempo sabe que nem sempre o máximo de produção de leite de uma propriedade equivale ao ótimo econômico, ou seja, quando o produtor consegue maior lucro.
Quanto à eficiência, temos certeza de que, independentemente de quaisquer fatores, para obter lucro com a atividade leiteira temos que ser eficientes no uso dos insumos para a produção (terra, mão de obra, vacas), ou seja, produzir mais e melhor com menos, de forma duradoura e progressiva, em um sistema de produção sustentável. É ter menos capital empatado para produzir um litro de leite por dia.
Como referência, podemos citar o indicador na faixa de R$ 800 a R$ 1.000 de capital empatado por litro de leite produzido por dia. Para o produtor conhecer o seu número é fácil: avalie quanto vale a sua atividade leiteira, porteira fechada, utilizando o valor de mercado, ou seja, o valor das negociações que estão ocorrendo na sua região e não o que você acha e quer que valha. De posse desse valor, divida-o pelo volume de leite médio diário de sua propriedade no último ano. Pronto, o valor encontrado é o capital que você imobiliza, ou empata, para produzir 1 litro de leite por dia. Via de regra, é muito capital empatado para pouco leite produzido.
Por quê? Os sistemas de produção de leite no Brasil estão desequilibrados. Eles possuem terra, animais, máquinas e benfeitorias demais para pouco leite. Além disso, a produtividade da mão de obra é baixíssima, contribuindo para aumentar ainda mais os custos de produção. A baixa eficiência da mão de obra é um dos gargalos da produção de leite brasileira. Desta forma, o sistema onde predomina a mão de obra contratada em relação aos que predominantemente utilizam a mão de obra familiar se torna mais desafiador. Por que será?
A mão de obra familiar no Brasil, na maioria das vezes, tem um custo de oportunidade menor do que o da contratada. Assim, de forma muito relativa, beneficia o sistema de produção de leite que a emprega. É relativa, por produzir o leite com um custo menor, o que não significa ter maior rentabilidade, mais riqueza ou melhor qualidade de vida.
Esse rodeio todo é para esclarecer que a “classe média do leite” no Brasil está no bico do urubu, pois é neste grupo que estão concentrados os sistemas de produção de leite mais desequilibrados. Um dos principais fatores que contribuem para o desequilíbrio é a grande quantidade de funcionários contratados para poucas vacas em lactação por propriedade. Quando há predomínio da mão de obra familiar, essa distorção não é tão evidente.
O gráfico ilustra como o custo por vaca pode aumentar se a propriedade não tiver um bom equilíbrio entre a quantidade de funcionários contratados e o número médio de vacas em lactação. A tendência, demonstrada no gráfico, se deve à natureza “inteiriça” da mão de obra em turno integral, utilizada como insumo no sistema de produção de leite.
Simplificar procedimentos e rotinas de trabalho pode compensar muito em termos de maior eficiência da mão de obra. As propriedades mais eficientes, técnica e economicamente, operam com 30 vacas em lactação por funcionário, atingindo o mínimo de 500 litros de leite, por dia homem (litros/dia/
homem) com a utilização de ordenhadeiras mecânicas. Para aumentar a produtividade da mão de obra em rebanhos com produtividade abaixo de 15 litros por vaca em lactação por dia (litros/vaca/dia), o mais importante é aumentar a produtividade de leite do rebanho. Quando a produtividade das vacas já estiver na faixa de 15 a 18 litros por dia (litros/dia), o que mais vai interferir na produtividade da mão de obra (litros/dia/hora) será o aumento do número de vacas em lactação, por funcionário (vaca/dia/homem).
Ao comparar os resultados obtidos nas propriedades onde predomina a utilização de mão de obra familiar com os resultados obtidos nas propriedades com mão de obra contratada, sendo todos participantes do Projeto Educampo/Sebrae em Minas Gerais, encontramos alguns indicadores que confirmam a nossa discussão. É bom lembrar que, para ser considerada predominância de mão de obra familiar, a renda bruta da atividade leiteira destinada para pagar a mão de obra contratada não deverá ultrapassar o porcentual de 5%.
O grupo de produtores familiares se refere a 109 fazendas. Esse grupo produziu em média 724 litros/dia, com produtividade média das vacas igual a 16,89 litros/dia; da terra, 5.508,50 litros/hectare/ano; da mão de obra de 352,88 litros/dia/homem; 21 vacas/funcionário; com um custo total de R$ 1,14/litro e capital empatado por litro por dia no valor de R$ 1.385,85. Esses produtores alcançaram o lucro total médio com a atividade leiteira no valor de R$ 54.090,59/ano. O grupo de mão de obra familiar, mesmo com a produtividade bem abaixo dos 500 litros/dia/homem indicada como mínima ideal, ainda obteve lucro. Isso se deveu ao baixo custo de oportunidade da mão de obra familiar. Entretanto, esses resultados não deixam de ser um “equilíbrio”, inferior, mas é, pois teve baixa produtividade com menor remuneração da mão de obra familiar. Consideramos como classe média do leite aquele grupo de produtores que produziu, em média, até 1.000 litros/dia com forte predominância da mão de obra contratada, representando uma amostra de 195 propriedades. Esses produziram, em média, 575,63 litros/dia com as seguintes produtividades: 13,18 litros/vaca/dia; 3.038,42 litros/hectare/ano; 245,80 litros/dia/homem; 18,5 vaca/homem; custo total no valor de R$ 1,32/litro e capital empatado de R$ 2.071,66 litros/dia. Esses produtores operaram com prejuízo econômico de -R$ 19.437,76/ano. A classe média do leite, com mão de obra contratada, por ter seu sistema de produção em total desequilíbrio, foi ineficiente, pois perdeu dinheiro na atividade leiteira.
Como mostra a tabela, nos estratos de propriedades acima de 1.001 litros/dia, o maior volume deprodução facilitou e tendeu ao menor desequilíbrio do sistema. Com isso, os indicadores técnicos e econômicos alcançados foram melhores, obtendo lucro com a atividade leiteira.
Aos produtores da classe média do leite e a nós, da assistência técnica e gerencial que os assiste, nos resta uma única saída: torná-los mais eficientes, aumentando o volume de produção de leite com racionalidade econômica e equilibrando, desta forma, os sistemas de produção, hoje deficitários. Caso contrário, para nós o céu será o limite, pois é onde predominam os voos dos urubus. Portanto, para perder dinheiro na atividade leiteira não basta ser “classe média”, tem que ser ineficiente.
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